Como Agricultores Brasileiros Estão Modernizando as Práticas Agrícolas para se Tornarem Resilientes ao Clima
Em meio a crises como as mudanças climáticas, que ameaçam os meios de subsistência, a segurança alimentar e o bem-estar dos pequenos agricultores no Brasil, a Global Communities e seus parceiros locais estão equipando milhares de agricultores com treinamentos, tecnologias e recursos para que desenvolvam resiliência a longo prazo.
AAntônio Albédio Soares trabalha no campo desde que se entende por gente. O produtor rural de 45 anos da pequena cidade cearense de Novo Oriente, localizada no Nordeste do Brasil, faz parte da segunda geração de agricultores.
Mas a agricultura — mesmo para fins de subsistência — tornou-se cada vez mais difícil. Os índices pluviométricos no Brasil mudaram significativamente nas últimas décadas e as temperaturas aumentaram 0,5°C. A região Nordeste onde Soares nasceu é semiárida, limitando a agricultura a apenas dois ou três meses por ano.
Combinada com outros desafios que os agricultores enfrentam, como a baixa produtividade, a baixa rentabilidade devido a intermediários e o trabalho árduo da lavoura manual em razão da falta de acesso a máquinas e tecnologia, a agricultura tornou-se menos viável e atraente.
“As condições climáticas não nos deixam produzir como antes. É muito caro”, disse Soares.
Quando completou 18 anos, desejando uma vida diferente daqueles em sua comunidade que batalhavam com a agricultura, Soares foi para São Paulo, a cidade mais populosa do Brasil, e depois de algum tempo acabou se mudando para o Rio de Janeiro.
Ele conseguiu um emprego na construção civil, passou de uma função administrativa para uma gerencial e depois seguiu seu próprio caminho, decidindo abrir sua própria construtora.
“Fui em busca de uma vida melhor… [mas] sempre sonhei em voltar para minha cidade natal”, disse ele.
Contudo, as oportunidades econômicas eram raras em Novo Oriente e Soares descartou a possibilidade de trabalhar na agricultura.
“A própria terra tem despesas, como gado, impostos e contratação de ajuda ocasional, e o que colhemos mal dá para o sustento”, explicou. “Sempre tivemos que usar o dinheiro que ganhamos na cidade para manter nossa propriedade.”
As experiências de Soares são condizentes com os dados que mostram que as mudanças climáticas e a insegurança alimentar estão piorando no país. Em 2014, as Nações Unidas reconheceram o Brasil pelo seu “progresso notável no combate à fome”, mas hoje, quase uma em cada três pessoas no país sofre de insegurança alimentar moderada ou grave, de acordo com o Banco Mundial. Isto significa que estes indivíduos estão expostos a dietas de baixa qualidade e podem ter sido forçados a reduzir o seu consumo alimentar devido à falta de dinheiro ou outros recursos.
Em meio a estes desafios, Soares ouviu dizer que alguns agricultores da sua cidade natal estavam prosperando. Contaram a ele sobre o Prospera, um programa que começou em 2016 e que ajudou os agricultores a aumentarem sua produtividade e a transformarem os seus meios de subsistência, passando da agricultura de subsistência para a produção em maior escala. Bastou isso para que Soares fizesse as malas e deixasse a vida na cidade grande para trás.
Vinte e cinco anos depois de deixar a sua cidade natal, ele retornou a Novo Oriente em 2021 para se juntar a outros moradores que estavam revitalizando o setor agrícola.
Criando um Ecossistema para os Agricultores Prosperarem
Na cidade natal de Soares, como é comum na região Nordeste, o milho é um item básico na alimentação, pois é consumido no café da manhã e utilizado em pratos como o cuscuz ou em uma sopa chamada canjiquinha, que leva grãos de milho triturados.
Mas apesar de seu papel central na cultura nordestina, a região importa 90% de seu milho, segundo a Associação Cearense de Avicultura. Os métodos tradicionais de cultivo do milho têm sido ineficazes devido ao clima e aos solos secos da região, e encontrar soluções é uma tarefa árdua.
Os produtores começam entrando em contato com empresas de sementes para descobrir quais são as sementes mais adequadas para a sua área. Em seguida, eles precisam encontrar e alugar as máquinas corretas para ajudá-los a plantar as sementes. Sem acesso a informações sobre métodos agrícolas relevantes, alguns agricultores recorrem a conselhos no YouTube. Muitas coisas podem dar — e com frequência dão — errado no processo, deixando os agricultores com baixa produtividade e desencorajando-os da produção de milho.
Com o objetivo de promover a agricultura sustentável, capacitar os produtores rurais e fortalecer a cadeia produtiva do milho, a partir de 2021, Global Communities Brasil se juntou a Corteva Agrisciences, Yara International, Massey Fergson e outras empresas locais para implementar o Prospera.
O Prospera oferece formação teórica e prática para produtores, extensionistas rurais e estudantes de agricultura e dá acesso a tecnologias, insumos produtivos, como sementes, mecanização, fertilizantes e defensivos agrícolas. Basicamente, a existência do programa significa que os agricultores não estão mais sozinhos e fazendo suposições sobre como cultivar o milho; eles agora recebem os recursos e o conhecimento para prosperar na produção de milho — para que possam alimentar suas famílias e a região enquanto lucram para garantir seu sustento.
Karla Skeff, gerente de programa da Global Communities Brasil, explicou como isso abre novas possibilidades: “As mudanças climáticas têm sido devastadoras para os agricultores. A maioria dos produtores testemunhou um clima tão extremo, muito seco ou [muita] chuva, que ficou desanimado com a colheita. Com a tecnologia, eles enxergam novos horizontes para o milho. […] Eles vislumbram a possibilidade de meios de produção sustentáveis”.
O Prospera, que atua em quatro estados do Nordeste do Brasil (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Alagoas), tem apoiado agricultores no aumento de sua produção de milho, de aproximadamente 15 sacas por hectare para 132. O programa visa alcançar e apoiar 50 mil agricultores até 2025.
Por meio do Prospera, os agricultores são incentivados a formar grupos comunitários para negociar coletivamente e agregar logística e insumos, a fim de reduzir custos. O Prospera também incentiva os agricultores participantes a emitirem nota, o que ajuda a formalizar o seu trabalho e os torna elegíveis para aposentadoria no futuro.
Os Quatro Componentes do Prospera
Capital de Conhecimento
O Prospera foca na compreensão dos desafios agrícolas no Nordeste brasileiro para apoiar os agricultores com as melhores tecnologia e recomendações de manejo para obter produções maiores e sustentáveis. Este conhecimento auxilia os agricultores na gestão dos riscos.
Capital Tecnológico
O foco do programa na utilização de tecnologia moderna garante que os agricultores tenham melhores ferramentas para aumentar a produtividade. Quando o Prospera começou na região, acompanhamos um aumento na produtividade agrícola de uma média de 10 sacas/ha para 80 sacas/ha de grãos, com algumas áreas chegando a 191,73 sacas/ha (Porteiras/CE).
Capital Social e Relacionamentos
O Prospera é viabilizado por meio de 70 parcerias com instituições públicas, universidades, associações, sindicatos e agências de extensão rural públicas e privadas, ampliando o capital social dos agricultores.
Capital Humano
O Prospera está trabalhando para impactar mais de 50 mil agricultores em cinco anos, permitindo que eles atendam às demandas locais por milho, tornando-se autossuficientes na produção agrícola.
Além da Agricultura de Subsistência
Após ingressar no programa Prospera em 2022, Soares recebeu treinamento em uma Lavoura Demonstrativa e assistência técnica em sua propriedade. Ele teve acesso a sementes, fertilizantes e proteção de cultivos e aprendeu a utilizar a tecnologia e o maquinário para colher de forma mais produtiva.
Soares começou a plantar milho em 4 hectares e notou mudanças significativas em sua colheita em poucos meses. Embora antes produzisse 25 sacos de milho por hectare, desde que ingressou no Prospera, ele produziu uma média de 84 sacos de milho — mais que o triplo de sua produção anterior, o que lhe permitiu voltar para Novo Oriente.
Naturalmente, seus vizinhos notaram e ficaram curiosos para saber como poderiam obter resultados semelhantes. Soares, junto com o Prospera, organizou um evento de um dia em sua propriedade para compartilhar seus aprendizados e responder perguntas sobre o aproveitamento da tecnologia na agricultura. Mais de 250 agricultores da comunidade compareceram, jovens e idosos.
“Desde a década de 80, os jovens não enxergam nenhum meio de subsistência viável na região. Agora, vejo os jovens começarem a acreditar [na agricultura]”, disse Soares. “A geração mais velha costumava ser muito cética. Hoje, depois de observar os resultados com o Prospera, vejo com alegria meu pai conversando com os vizinhos sobre a importância [de usar a tecnologia para melhorar a produtividade]”.
Segundo Skeff, uma vez que o Prospera combina conhecimento e acesso à tecnologia, permite aos agricultores aumentarem sua produtividade e, portanto, os seus rendimentos. Soares utilizou o aumento dos seus rendimentos para investir ainda mais na sua lavoura. Ele plantou milho em 4 hectares em 2022 e expandiu a produção de milho para 19 hectares no ano seguinte. Em 2024, ele planeja expandir mais uma vez sua produção de milho para um total de 29,5 hectares.
“No Prospera, um agricultor aprende, ganha e depois reinveste [na expansão da sua agricultura]. O agricultor entra em um círculo virtuoso quando se torna autônomo e se transforma em um multiplicador desse conhecimento, já que está próximo de outras pessoas de sua comunidade que também querem aprender”, explicou Skeff.
O programa também reforça a resiliência climática dos agricultores, apoiando a cadeia de valor local e melhorando a segurança alimentar, ajudando a região Nordeste a tornar-se mais autossuficiente na sua produção de milho.
Mudando Paradigmas e Padrões de Migração
De acordo com Skeff, um dos resultados mais poderosos do Prospera é a capacidade do programa de desafiar paradigmas dominantes.
“Estamos contestando esses paradigmas de que esta região não é produtiva, de que o milho não é viável para esta região, de que as pessoas não aprenderão ou saberão como usar a tecnologia”, disse Skeff.
À medida que o Prospera mostra aos agricultores que outro caminho é possível, muitos deles pretendem permanecer e cultivar localmente, em vez de migrar para as cidades em busca de perspectivas econômicas. Isto ocorre em um momento em que se espera que as secas e a segurança alimentar piorem no Nordeste do Brasil.
Especialistas preveem que isso acelerará a migração da região Nordeste para a região Sudeste e das áreas rurais para as cidades. Além disso, essa migração interna devido às mudanças climáticas pode causar conflitos relacionados a direitos à terra e acesso a recursos, de acordo com os principais especialistas em clima.
No entanto, alguns agricultores como Soares estão migrando na direção oposta e outros estão perdendo completamente o interesse em trabalhar nas cidades. Durante suas visitas de campo, Skeff observa os agricultores à medida que aprendem sobre como aproveitar a tecnologia para aumentar sua produtividade e manter seus meios de subsistência.
“Eles fazem as contas na nossa frente e dizem que se “eu for para a cidade e conseguir um emprego de salário-mínimo, posso ganhar isso [R$ 2.500/USD $ 510], mas, se eu cultivar, posso ganhar esse valor [R$ 4.500/USD $ 918], então por que eu iria para a cidade trabalhar para os outros? Não, vou trabalhar por conta própria”, disse Skeff.
Isso faz com que mais agricultores permaneçam no Nordeste do Brasil, apoiando suas famílias através da agricultura e abrindo caminho para que as gerações futuras façam o mesmo por meio de práticas agrícolas sustentáveis e resilientes ao clima, especialmente porque os impactos das mudanças climáticas deverão piorar nas próximas décadas.
“É importante porque eles podem permanecer nas suas terras e seus filhos podem permanecer nas suas terras… é sustentável”, disse Skeff.
Como pai de dois filhos, Soares espera que um dia suas crianças optem por se tornar agricultores de terceira geração em uma região onde o êxodo rural é elevado.
“Se você trabalha [na cidade] você pode ganhar dinheiro, mas quando você trabalha de mãos dadas com o Prospera, você pode desenvolver a região”, disse ele.